terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O episódio no ônibus.




     Todas as manhãs Einsam andava de ônibus, fazendo o trajeto casa-escola-casa. Há pouco mais de quinze anos ele repete esse percurso diariamente, de modo que nada o surpreende no quesito ônibus, como já era de se esperar. Eis que em certo dia de Dezembro, próximo às férias escolares um episódio particularmente estranho aconteceu.

     Einsam era, em comparação com os meninos de sua idade, bastante amadurecido. Ele tinha 15 para 16 anos. Adorava ouvir música e ler livros. No seu quarto, as coleções de discos de vinil e livros iam se amontoando pelos cantos, motivo de reclamações por parte da mãe. Realmente fazia parte da rotina de Einsam ler, sobretudo durante sua constante odisséia matinal. E foi um livro o protagonista desta estória, pensando por todos os ângulos e desvirtuando do que seria o foco para a maioria das pessoas que leram ou lerão essa humilde narração.

     Neste dia singular, Einsam acordou pontualmente às seis horas da manhã e foi logo lavar o rosto. Não teve nenhum sonho especial na noite anterior, o que o decepcionava na maioria das vezes. Após tomar seu regular café-da-manhã, geralmente um copo de suco ou leite e um pão com manteiga, ele saiu de casa, às seis e meia.

     Depois de uns cinco minutos de espera, o ônibus finalmente chegou. Pediu parada, subiu, pagou a passagem e escolheu um lugar pra sentar-se, sem nenhuma dificuldade, um fato não tanto comum durante suas viagens. O ônibus estava quase vazio, estando presente lá, uma senhora junto com uma criança, um jovem aparentando ter seus 19 anos e um homem um tanto estranho, com um terno diferente e um grande relógio de pulso, além do motorista e o cobrador, é claro. Era bastante estranho uma pessoa usar terno no verão, ainda mais numa cidade tão quente, apesar do frescor matinal que fazia por volta das sete da manhã. Einsam sentou-se duas cadeiras atrás do senhor estranho. Como de costume, abriu seu livro e começou a ler.
   
     O cenário da cidade pela manhã, juntamente com o silêncio sendo incomodado pelo barulho progressivo das pessoas saindo de casa, era um atrativo para a leitura, achava Einsam. O senhor estranho sentou-se mais próximo dele e começou a puxar papo. “Pronto, lá vem...” - pensou Einsam. Convenhamos, apesar de ele ser uma pessoa tranqüila e serena, ser incomodado por pessoas alheias, tão cedo da manhã e durante o trajeto maçante que fazia todo dia não era algo considerado ideal pra o menino.

     - Qual é o seu nome? – perguntou o senhor estranho.

     - É Einsam. E o seu? – respondeu prontamente o garoto, contrariando as regras de segurança impostas pela mãe.

     - Eh...Schicksal, mas pode me chamar de Sr. S. – falou Sr. S com um sotaque estrangeiro, lembrava alemão.

     -Schicksal? Um pouco estranho... –disse Einsam. “Combina com sua aparência”, pensou após terminar de falar, mas não expôs esse pensamento.

     - Sabe esse livro que você está lendo? É realmente curioso, realmente curioso... – disse Sr. S.

     - O que é curioso? – disse o garoto.

     - O que é curioso? Bem, várias coisas, pra ser sincero. Você deve ter cerca de quinze anos, certo? Pois, o curioso é que quando eu tinha a mesma idade que você eu li esse mesmo livro, neste mesmo ônibus. O mais curioso de tudo é que você lembra muito minha aparência quando eu tinha a sua idade. Bastantes coincidências, não acha? - falou o Sr. S.

     - Realmente é curioso. Você gostou deste livro? – disse Einsam, já gostando do papo um tanto quanto singular.

     - Gostei sim, história bacana, fala sobre destino e tal. Bem, chegou minha parada...foi um prazer conversar com você Einsam. Belo nome por sinal! Até Breve! – despediu-se Sr. S.

     - Obrigado Sr. S. Até breve! – o menino agradeceu e retribuiu a saudação.

     Ao se levantar, o Sr. S deixou cair um papel amassado do seu bolso. Ele estava lá, onde antes estava o próprio Sr. S. Einsam decidiu abrir e revelar o conteúdo do distinto papel. Nele estava escrito mais ou menos isso:

      “Das Ziel ist für alle Absichten und Zwecke, der Herr von Zufällen.”


     Como é de se esperar, Einsam não entendeu a mínima palavra do que estava escrito. Alemão definitivamente não era uma coisa que ele sabia ou pretendia aprender. Procurou depois traduzir essa frase em um dicionário que encontrou na biblioteca da escola. A Frase, traduzida ao pé-da-letra do dicionário, tirando assim um pouco da credibilidade da tradução, siginificava :


     “O destino é, para todos os efeitos, o Senhor das coincidências.”

sábado, 12 de dezembro de 2009

Porquê eu não existo.

“Porquê eu não existo.”


     Trinta e cinco anos passados desde o evento o qual convecionou-se chamar de nascimento, eu nunca tinha me sentido daquele jeito. Sombrio e solitário, era essa vida que eu levava. Eu sabia conviver com a solidão e o isolamento, assim como um náufrago que por imposição natural é obrigado a aprende-lo também.

    Pois, um dia qualquer, (sempre é um dia qualquer, nunca um dia especial; isso só comprova minha teoria explicitada abaixo.) eu senti minha mão direita começar a desaparecer, começando lentamente pelas unhas até a ponta dos dedos; dos pequenos ossículos e falanges ao pulso. Uma a uma, cada camada de pele ia se extinguindo. Em seguida, foi a vez dos músculos, tendões e ossos, até o momento em que minha mão ficara totalmente desaparecida, como se eu tivesse sofrido um acidente, ou ela tivesse sido decepada. Com o pânico, gritei alto. Muito alto mesmo, acordando meus familiares; todos vieram igualmente assustados. “Amanhã irei ao médico. Mas que tipo de médico trataria de tal desventura?”, pensei comigo mesmo. Naquele ponto isso não importava mais; tais assuntos mundanos. Foi a última vez que me preocupei com algo relacionado ao ser humano, porque eu estava deixando de ser um.

     Agora, de modo mais rápido, meus membros inferiores e superiores, juntamente com meu tronco iam por sua vez desaparecendo, até sobrar, como uma espécie de consolo, a cabeça. Eu sabia, tinha chegado minha hora. Eu fiz meu último contato visual com minha família. Adeus. Minha fonte de consciência se desfez; esfacelou-se no ar minha toda e qualquer existência. Eu tinha simplesmente deixado de existir, nos conceitos terrenos.
    
     Mergulhei profundamente no nada. Algumas culturas diriam que eu estava em alto estado espiritual. Julgariam erradamente. Outras pessoas poderiam dizer que eu tinha sido ”deletado” de uma espécie de mundo virtual. Seria muito prematuro e errôneo julgar isso também. Por fim, os conservadores diriam que eu tinha morrido. Novamente, seria algo incoerente de se dizer. Porque eu não havia sentido nenhum tipo de dor, muito menos tinha ido pro céu, inferno ou purgatório ou nada entre esses três. Eu havia curiosamente mergulhado no nada. Um obscuro e ao mesmo tempo suave nada. Na verdade um nada paradoxal, pois, como eu poderia estar no “nada” se nada existe. Não seria o “nada” a não-existencia? Paradigmas e paradoxos. Nada ou nada. Nada e nada.