sábado, 12 de dezembro de 2009

Porquê eu não existo.

“Porquê eu não existo.”


     Trinta e cinco anos passados desde o evento o qual convecionou-se chamar de nascimento, eu nunca tinha me sentido daquele jeito. Sombrio e solitário, era essa vida que eu levava. Eu sabia conviver com a solidão e o isolamento, assim como um náufrago que por imposição natural é obrigado a aprende-lo também.

    Pois, um dia qualquer, (sempre é um dia qualquer, nunca um dia especial; isso só comprova minha teoria explicitada abaixo.) eu senti minha mão direita começar a desaparecer, começando lentamente pelas unhas até a ponta dos dedos; dos pequenos ossículos e falanges ao pulso. Uma a uma, cada camada de pele ia se extinguindo. Em seguida, foi a vez dos músculos, tendões e ossos, até o momento em que minha mão ficara totalmente desaparecida, como se eu tivesse sofrido um acidente, ou ela tivesse sido decepada. Com o pânico, gritei alto. Muito alto mesmo, acordando meus familiares; todos vieram igualmente assustados. “Amanhã irei ao médico. Mas que tipo de médico trataria de tal desventura?”, pensei comigo mesmo. Naquele ponto isso não importava mais; tais assuntos mundanos. Foi a última vez que me preocupei com algo relacionado ao ser humano, porque eu estava deixando de ser um.

     Agora, de modo mais rápido, meus membros inferiores e superiores, juntamente com meu tronco iam por sua vez desaparecendo, até sobrar, como uma espécie de consolo, a cabeça. Eu sabia, tinha chegado minha hora. Eu fiz meu último contato visual com minha família. Adeus. Minha fonte de consciência se desfez; esfacelou-se no ar minha toda e qualquer existência. Eu tinha simplesmente deixado de existir, nos conceitos terrenos.
    
     Mergulhei profundamente no nada. Algumas culturas diriam que eu estava em alto estado espiritual. Julgariam erradamente. Outras pessoas poderiam dizer que eu tinha sido ”deletado” de uma espécie de mundo virtual. Seria muito prematuro e errôneo julgar isso também. Por fim, os conservadores diriam que eu tinha morrido. Novamente, seria algo incoerente de se dizer. Porque eu não havia sentido nenhum tipo de dor, muito menos tinha ido pro céu, inferno ou purgatório ou nada entre esses três. Eu havia curiosamente mergulhado no nada. Um obscuro e ao mesmo tempo suave nada. Na verdade um nada paradoxal, pois, como eu poderia estar no “nada” se nada existe. Não seria o “nada” a não-existencia? Paradigmas e paradoxos. Nada ou nada. Nada e nada.

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